Veneza pela primeira vez...


Veneza, 14 e 15 de junho

Passei dois dias em Veneza pois sempre haverá overnight nesta cidade, para felicidade geral. Desde criança ouco falar bem de Veneza por conta de minha ame. Ela nunca esteve aqui mas este sempre foi seu sonho, que agora realizei em seu lugar. Embora tenha embarcado aqui no navio, somente hoje, um mês depois, consegui descer e conhecer as vielas inundadas da cidade, ver e sentir de perto porque Veneza se tornou a capital do charme mundial. E impossível nao se sentir dentro de um sonho ao caminhar pela histórica praca Sao Marco e ver todos os prédios centenários a sua volta. Felizmente nao havia milhares de pombos como todos afirmam ter e consegui circular pelas redondezas livremente. As fotos que tirei nao contam nem dez por cento de tudo o que vi. Para onde quer que voce olhe ou mire a maquina ha uma imagem que remete a algo bom, a arte e pura poesia. Ate os cartazes de eventos em Veneza sao arte pura, êh algo inexplicável e lindo de se presenciar.

Fiquei circulando pelas vielas inundadas nao somente por água mas por também por poesia. Atras da Praca Sao Marco ha vários becos com alguns cafés pra la de charmosos e escolhi um deles para sentar e sentir o cheiro da cidade. Neste primeiro dia em Veneza andei pelas ruas com um grupo de artistas que trabalha no navio, que faz parte dos espetáculos dos quais cuido dos detalhes nos backstages. Fomos ao mercado Panorama, que fica a uns 20 minutos do centro de Veneza, um enorme galpão que vende de tudo, de eletrodomésticos a roupas passando por equipamentos para foto e computadores. Comprei algumas roupas, pois já estava precisando e achei blusas pretas de algodão por uma verdadeira bagatela, apenas um euro cada! Comemos duas enormes pizzas de Margerita e Calabresa e nos separamos, pois cada um tinha algo diferente a fazer. Ficamos eu e Alvaro, um malabarista chileno gente boa que sempre esta de bom humor, o que sempre é bom quando se quer conhecer alguma cidade nova.

Sentamos no cafe e pedi uma cerveja, veio uma Heineken e começamos a papear. Alvaro me contou sobre quão rígidas sao as normas para se entrar no Cirque de Soleil e para se manter por la. Quatro anos apenas de estudos antes de pensar em entrar para qualquer apresentação, isso é, treinando diariamente de nove da manha ate oito da noite, uma rotina de quartel a qual ele nao quis se submeter, preferindo cursar a escola secundaria, pertencente a mesma federação do Cirque de Soleil, a El Circo Del Mondo. Alvaro me falou que morava bem perto de onde ocorreram os terríveis terremotos no Chile, o que lhe ocasionou a perda de muitos amigos e conhecidos. Ao sairmos do cafe, dei de cara com uma loja de antigüidades chamada "Il Baule Blu" (S. Toma, 2916 a - 39125 - Veneza - ilbauleblu@libero.it), que apresentava na vitrine um incrível boot verde. Sempre gostei de boot, com certeza influenciado pelo meu irmão Ravengard, que cresceu usando aquelas enormes botas de exercito. Como minha adolescência foi bem roqueira, aquilo caia como uma luva, ou melhor, como uma bota para compor meu visual de rock pressão (risos).

Entrei na loja com a certeza que levaria aquela bota. Havia visto o numero "46" em cima dela e pensei se tratar do valor em euro. Silvia Brinis, uma das donas da loja nos atendeu simpaticamente e pedi para ver o par de boot. Perguntei se custava mesmo os 46 euros, quando ela me respondeu para minha surpresa que o par de botas me sairia por apenas 15 euros! O numero 46 estampado em cima da bota era provavelmente seu numero. Fiquei decepcionado pois calco 42, ou seja, se aquilo fosse realmente 46 ficaria sambando no meu pé. Experimentei e ate que nao ficou tao grande. Silvia me explicou que ela havia 'chutado' o tamanho da bota, pois nao vinha descrito mas que poderia ser 44. Nao me importou, fiquei com elas e comprei ainda uma boina verde que a acompanhava, sendo presenteado com um par de luvas da mesma cor. Ao final, Silvia me explicou que tudo aquilo fazia parte de um uniforme dos chamados Lagunari, Serenissima, que na verdade é um tipo de guarda costeira de Veneza, uma policia marítima que ronda as vielas inundadas. Adorei! Agora eu tinha autenticas botas dos Lagunari…

Confessei a Silvia que adorava aquele tipo de loja, cheia de coisas e bugigangas, quando ela me presenteou com um botton de Mikonos, nao somente a mim mas também a Alvaro, que acabou levando um óculos no estilo vintage, com visual bem antigo. Sai da lojinha com vontade de comprar mais coisas, mas o tempo e o dinheiro estavam curtos, entao rumamos para o navio, pois a noite para mim seria longa na disco. Na verdade, achei que conseguiria sair na noite de Veneza, pois quando temos overnight com embarque de passageiros, a boite costuma ficar as moscas, dando para fechar mais cedo, o que nao aconteceu. As pessoas desceram de suas suites loucas para dançar e eu estava la para proporcionar isso. So consegui deixar a disco as três da manha e rumei com um grupo de garços de diversas nacionalidades para fora do navio. Sempre gostei do 'lado B' das coisas, inclusive na vida. Claro que adoro o convencional, mas o diferente me atrai muito mais. Foi uma experiência deliciosa sair na madrugada de Veneza e ver as vielas cheias de água sem ninguém por perto. Deixei o grupo andando um tanto a frente e fiquei ali, observando aquelas ruas históricas, somente eu e elas, respirando fundo e agradecendo muito por estar vivendo tudo isso… Pensei novamente em minha mae, como ela ficaria feliz em poder estar ali, andando comigo e rindo abraçado. Mas fiquei feliz por pelo menos ter feito isso por ela. Nosso destino era um lugar descolado, chamado Pico El Mondo, mas nao chegamos ate la. No meio do caminho, encontramos um outro grupo do navio, voltando de la, o lugar já havia fechado.

O grupo agora somava mais de 20 pessoas a andar pelos becos escuros da inundada Veneza. Havia uma menina com o grupo que encontramos que estava pra la de trebada, sendo carregada por alguns outros. Todos riam muito da situação, embora eu achasse que ela estava tao mal que nao conseguiria caminhar tudo o que teríamos que percorrer ate o navio. Nao havia como pegar transporte aquela hora e no meio das vielas, nao ha o que te carregue, somente as balsas, mas as cinco da manha, ninguém esta trabalhando, somente a guarda (creio que os famosos ' Lagunaris' , em sua patrulha), mas com certeza nao dariam ' carona' a ninguém. Havia um vento frio na madrugada da cidade e o grupo foi caminhando em direção ao centro, parando para um rápido lanche antes de rumar para o navio. O sol já começava a dar os primeiros sinais de vida e eu nao queria perder aquele registro por nada, minha primeira alvorada em uma das cidades mais incríveis do mundo. Em tempos de Facebook as emoções nao podem mais ser guardadas somente para você (ah maluca globalização). Peguei um lenço de uma das contorcionistas, que namora o chefe do bar e estava conosco e enrolei no pescoço para proteger a garganta. Foi neste exato momento que sacaram uma maquina e registraram a foto que postei nos sites de relacionamento e que me rendeu um monte de sacaneadas. Quando se esta vivendo algo assim, certos preconceitos simplesmente somem da sua mente e nao imaginei que o fato de um simples lenço feminino no pescoço renderia tantos comentários sarcásticos (para meu riso e dos outros rsrs), mas fazer o que? Ta na chuva, é pra se molhar.

Segundo dia em Veneza, 15 de Junho

Falando em chuva, no dia seguinte amanheceu chovendo na cidade. Dia seguinte nao, melhor dizendo, horas seguintes, pois voltei para o navio já amanhecendo, dormi ate dez horas e rumei para a rua novamente. Me recusava a ficar trancado em uma cabine dormindo em plena Veneza. Quando estivemos no mercado Panorama no dia anterior, havia comprado um Mac em meu nome para a cantora Elisa, para que ela recebesse de volta o valor do taxi free, que é o desconto de 20 por cento dado na Europa para todas as compras feitas para estrangeiros que nao vivem aqui. Acha que somente brasileiro gosta de dar jeitinho? Vai vendo… Fomos novamente ao Panorama eu, Elisa e Joao, um brother paulista que trabalha na animação e que me ajudou muito quando cheguei, me passando todas as dicas do trabalho no backstage, pois agora o trabalho era meu. Joao faz uma imitação perfeita do Michael Jackson, quando é aplaudido por todos os passageiros ao apresentar seu numero. Durante a volta eu estava com muito sono, pegamos o auto bus azul gratuito que circula entre Veneza e o Panorama (comparando com o Rio de Janeiro, é como pegar um bus no centro do Rio e ir para Niteroi) e meu olho pesava por conta das poucas horas dormidas, mas me recusei a cochilar, nao estava ali para passar por aquele visual de olhos fechados. Enquanto cruzava a ponte que une os dois pontos, via as águas entrando e batendo nos pilares, lojas suspensas e pássaros sobrevoando o auto bus e uma enorme sensação de paz invadiu meu coração. Sorri. Foi um bom momento aquele, muito sono, vento fresco no rosto e o coração feliz. Joao e Elisa rumaram para o navio e falei que ficaria mais um pouco no centro da cidade. Andar sozinho, sempre gosto quando estou em lugares que nao conheço.

Explorar sozinho as vielas cheias de água foi algo delicioso. Claro que é muito bom quando estamos em grupo, com amigos e tal mas a liberdade é algo solitário. Voce somente se sente livre se esta com você e mais ninguém. Se cismar de de repente parar no meio do caminho e quiser rumar para outra ponte, nao tera que esperar por ninguém ou pela aprovação ou nao de metade do grupo, isso faz diferença, ainda mais quando o tempo êh curto. Eu tinha uma hora e meia para zanzar pela cidade antes do navio partir e queria aproveitar do meu jeito. Andei sem rumo certo, entrando e virando pra la e pra ca em vários becos com cafés e alfaiates, lojas de roupa, tabacarias e antiquarios. Na minha próxima parada em Veneza quero ir cedo para a rua para aproveitar cada minuto desta incrível cidade. Parei em algumas barracas e desatei a comprar coisinhas, lembranças para minha mae, para Mari, coisas de casa e uma camiseta. Chovia em Veneza, o que tornava tudo muito mais poético e fiquei como criança, olhando pra cima e sentindo os pingos na cara em uma das pontes que ligam as vielas cheias de água bem abaixo dos meus pes. Estava agora a procura de um cafe com internet, foi quando constatei que deve haver algum acordo para que nao se prolifere internet na cidade, evitando a vinda de mais e mais turistas. Somente me coube esta explicação para a total falta de internet. O único que achei com internet so aceitava pagamento com cartão de credito. Estava sem, lembrei do técnico de som Paul: "Ooooh fuckin' shit!!!", este é seu mantra quando algo da errado. Nao consegui internet de jeito algum.

Comecei o caminho de volta ao navio em meio a uma chuva fina que caia sobre a cidade. Nao quis comprar guarda chuva (alias, nunca quero), o que me rendeu mais tarde ainda no mesmo dia uma pequena dor de garganta. Queria tomar aquele pequeno banho com as águas vindas dos céus de Veneza. E nao era somente por estar ali, pois adoro tomar chuva em qualquer canto, seja na Italia ou em Bangu. Tambem senti uma sensação boa, uma coisa de ' quase local' ao saber o caminho exato para voltar ao porto. Em dois dias na cidade, já me sentia um pouco intimo de seus caminhos e na próxima vez, já estarei muito mais familiarizado com as vielas e tramas viárias que ha na cidade. Ao chegar perto do navio, encontrei o saxofonista espanhol Pera (que faz as jams sessions comigo no navio) e o baixista Gabriel, saltando de um barco. Eram duas da tarde e os dois vieram correndo, afirmando terem pego um ' taxi' pois estavam em cima da hora e o navio já partiria. Falei com eles que ainda faltava mais de uma hora para o navio zarpar rumo a Croacia, no que eles se entreolharam incrédulos. Haviam acabado de pagar 60 euros (!!!) para percorrerem um pequeno caminho nas vielas inundadas para chegarem ate o navio a tempo. Sem duvida, um dos taxis mais caros do universo, mesmo tendo como percurso os charmosos córregos inundados da velha cidade italiana. Agora sim, eu poderia 'descansar em paz'. E foi o que fiz, dormindo ate a noite, quando retornei novamente para o teatro para reiniciar outra maratona nos backstages e depois, tocar na disco.


Musicas que ouvi enquanto escrevia este post:

Stereo Love - Edward Maya and Vika Jigulina
Raya Real - Flamenco
You Took My Heart - Ray Guell
Plush (Acoustic Version) - Bush
Swallowed - Bush
Hey Joe - Body Count
Them Belly Full (But We Hungry) - Bob Marley
I Shot The Sheriff - Bob Marley
One Drop - Bob Marley
Who The Cap Fit - Bob Marley
Memphis Tennessee - Chuck Berry
One Too Many Mornings - Bob Dylan
Bloomdido - Charlie Parker
Bim Bam Baby - Frank Sinatra
Have You heard - Mayall Clapton
Mother - John Lennon
Steppin' Out - Joe Jackson
Veneza pela primeira vez... Veneza pela primeira vez... Reviewed by luckveloso on 14:45 Rating: 5

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